POESIA
Ariana
Vinicius de Moraes
Por quê? - se tudo era Ariana e só Ariana havia e nada fora de Ariana?
- Sou eu, Ariana...
Mas eis que um grande pássaro azul desce e canta aos meus ouvidos
- Eu sou Ariana!
E em todo o céu ficou vibrando como um hino o muito, amado nome de Ariana.
Desesperado me ergui e bradei: Quem és que te devo procurar em toda a parte e estás em cada uma?
Espírito, carne, vida, sofrimento, serenidade, morte, por que não serias uma?
Por que me persegues e me foges e por que me cegas se me dás uma luz e restas longe?
Mas nada me respondeu e eu prossegui na minha peregrinação através da campina E dizia: Sei que tudo é infinito! e o pio das aves me trazia o grito dos sertões desaparecidos
E as pedras do caminho me traziam os abismos e a terra seca a sede nas fontes.
No entanto, era como se eu fosse a alimária de um anjo que me chicoteava
- Ariana!
E eu caminhava cheio do castigo e em busca do martírio de Ariana
A branca Amada salva das águas e a quem fora prometido o trono do mundo.
E eis que galgando um monte surgiram luzes e após janelas iluminadas e após cabanas iluminadas E após ruas iluminadas e após lugarejos iluminados como fogos no mato noturno
E grandes redes de pescar secavam às portas e se ouvia o bater das forjas.
E perguntei: Pescadores, onde está Ariana?
- e eles me mostravam o peixe
Ferreiros, onde está Ariana?
- e eles me mostravam o fogo
Mulheres, onde está Ariana?
- e elas me mostravam o sexo.
Mas logo se ouviam gritos e danças, e gaitas tocavam e guizos batiam
Eu caminhava, e aos poucos o ruído ia se alongando à medida que eu penetrava na savana
No entanto, era como se o canto que me chegava entoasse
- Ariana!
pensei: Talvez eu encontre Ariana na Cidade de ouro - por que não seria Ariana a mulher perdida?
Por que não seria Ariana a moeda em que o obreiro gravou a efígie de César?
Por que não seria Ariana a mercadoria do Templo ou a púrpura bordada do altar do Templo?
E mergulhei nos subterrâneos e nas torres da Cidade de ouro mas não encontrei Ariana
Às vezes indagava - e um poderoso fariseu me disse irado:
- Cão de Deus, tu és Ariana!
E talvez porque eu fosse realmente o Cão de Deus não compreendi a palavra do homem rico
Mas Ariana não era a mulher, nem a moeda, nem a mercadoria, nem a púrpura
E eu disse comigo: Em todo lugar menos que aqui estará Ariana
E compreendi que só onde cabia Deus cabia Ariana.
Então cantei: Ariana, chicote de Deus castigando Ariana!
E disse muitas palavras inexistentes
E imitei a voz dos pássaros e espezinhei sobre a urtiga mas não espezinhei sobre a cicuta santa
Era como se um raio tivesse me ferido e corresse desatinado dentro de minhas entranhas
As mãos em concha, no alto dos morros ou nos vales eu gritava
- Ariana!
Ariana, a mulher - a mãe, a filha, a esposa, a noiva, a bem amada!
E muitas vezes o eco ajuntava: Ariana... Ana ... E os trovões desdobravam no céu a palavra
Ariana.
E como a uma ordem estranha, as serpentes saíam das tocas e comiam os ratos
Os porcos endemoninhados se devoravam, os cisnes tombavam cantando nos lagos
E os corvos e abutres caíam feridos por legiões de águias precipitadas
E misteriosamente o joio se separava dó trigo nos campos desertos
E os milharais descendo os braços trituravam as formigas no Solo
E envenenadas pela terra descomposta as figueiras se tornavam profundamente secas.
Dentro em pouco todos corriam a mim, homens varões e mulheres desposadas
Umas me diziam: Meu senhor, meu filho morre! e outras eram cegas e paralíticas
E os homens me apontavam as plantações estorricadas e as vacas magras.
E eu dizia: Eu sou o enviado do Mal! e imediatamente as crianças morriam
E os cegos se tomavam paralíticos e os paralíticos cegos
E as plantações se tomavam pó que o vento carregava e que para afastar o calor sufocava as vacas magras.
Mas como quisessem me correr eu falava olhando a dor e a maceração dos corpos
-Não temas, povo escravo! A mim me morreu a alma mais do que o filho e me assaltou a indiferença mais do que a lepra
A mim se fez pó a carne mais do que o trigo e se sufocou a poesia mais do que a vaca magra
Mas é preciso! para que surja a Exaltada, a branca e sereníssima Ariana
A que é a lepra e a saúde, o pó e o trigo, a poesia e a vaca magra
Ariana a mulher - a mãe, a filha, a esposa, a noiva a bem-amada!
E à medida que o nome de Ariana ressoava como um grito de clarim nas faces paradas
As crianças se erguiam, os cegos olhavam, os paralíticos andavam medrosamente
E nos campos dourados ondulando ao vento, as vacas mugiam para o céu claro
E um só clamor saía de todos os peitos e vibrava em todos os lábios
- Ariana!
E uma só música se estendia sobre as terras e sobre os rios
- Ariana!
E um só entendimento iluminava o pensamento dos poetas
- Ariana!
Assim, coberto de bênçãos, cheguei a uma floresta e me sentei às suas bordas
- os regatos cantavam límpidos
Tive o desejo súbito da sombra, da humildade dos galhos e do repouso das folhas secas
E me aprofundei na espessura funda cheia de ruídos e onde o mistério passava sonhando
E foi corno se eu tivesse procurado e sido atendido vi orquídeas que eram camas doces para a fadiga
Vi rosas selvagens cheias de orvalho, de perfume eterno e boas para matar a sede
E vi palmas gigantescas que eram leques para afastar o calor da carne.
Descansei - por um momento senti vertiginosamente o húmus fecundo da terra
A pureza e a ternura da vida nos lírios altivos como falos
A liberdade das lianas prisioneiras, a serenidade das quedas se empenhando
E mais do que nunca o nome da Amada me veio e eu murmurei o apelo
- Eu te amo, Ariana!
E o sono da Amada me desceu aos olhos e eles cerraram a visão de Ariana
E, meu coração pôs-se a bater pausadamente doze vezes o sinal cabalístico de Ariana
Depois um gigantesco relógio se precisou na fixidez do sonho, tomou forma e se situou na minha frente, parado sobre a meia-noite
Vi que estava só e que era eu mesmo e reconheci velhos objetos amigos
Mas passando sobre o rosto a mão gelada senti que chorava as puríssimas lágrimas de Ariana
E que o meu espírito e o meu coração eram para sempre da branca e sereníssima Ariana
- Sou eu, Ariana...
Mas eis que um grande pássaro azul desce e canta aos meus ouvidos
- Eu sou Ariana!
E em todo o céu ficou vibrando como um hino o muito, amado nome de Ariana.
Desesperado me ergui e bradei: Quem és que te devo procurar em toda a parte e estás em cada uma?
Espírito, carne, vida, sofrimento, serenidade, morte, por que não serias uma?
Por que me persegues e me foges e por que me cegas se me dás uma luz e restas longe?
Mas nada me respondeu e eu prossegui na minha peregrinação através da campina E dizia: Sei que tudo é infinito! e o pio das aves me trazia o grito dos sertões desaparecidos
E as pedras do caminho me traziam os abismos e a terra seca a sede nas fontes.
No entanto, era como se eu fosse a alimária de um anjo que me chicoteava
- Ariana!
E eu caminhava cheio do castigo e em busca do martírio de Ariana
A branca Amada salva das águas e a quem fora prometido o trono do mundo.
E eis que galgando um monte surgiram luzes e após janelas iluminadas e após cabanas iluminadas E após ruas iluminadas e após lugarejos iluminados como fogos no mato noturno
E grandes redes de pescar secavam às portas e se ouvia o bater das forjas.
E perguntei: Pescadores, onde está Ariana?
- e eles me mostravam o peixe
Ferreiros, onde está Ariana?
- e eles me mostravam o fogo
Mulheres, onde está Ariana?
- e elas me mostravam o sexo.
Mas logo se ouviam gritos e danças, e gaitas tocavam e guizos batiam
Eu caminhava, e aos poucos o ruído ia se alongando à medida que eu penetrava na savana
No entanto, era como se o canto que me chegava entoasse
- Ariana!
pensei: Talvez eu encontre Ariana na Cidade de ouro - por que não seria Ariana a mulher perdida?
Por que não seria Ariana a moeda em que o obreiro gravou a efígie de César?
Por que não seria Ariana a mercadoria do Templo ou a púrpura bordada do altar do Templo?
E mergulhei nos subterrâneos e nas torres da Cidade de ouro mas não encontrei Ariana
Às vezes indagava - e um poderoso fariseu me disse irado:
- Cão de Deus, tu és Ariana!
E talvez porque eu fosse realmente o Cão de Deus não compreendi a palavra do homem rico
Mas Ariana não era a mulher, nem a moeda, nem a mercadoria, nem a púrpura
E eu disse comigo: Em todo lugar menos que aqui estará Ariana
E compreendi que só onde cabia Deus cabia Ariana.
Então cantei: Ariana, chicote de Deus castigando Ariana!
E disse muitas palavras inexistentes
E imitei a voz dos pássaros e espezinhei sobre a urtiga mas não espezinhei sobre a cicuta santa
Era como se um raio tivesse me ferido e corresse desatinado dentro de minhas entranhas
As mãos em concha, no alto dos morros ou nos vales eu gritava
- Ariana!
Ariana, a mulher - a mãe, a filha, a esposa, a noiva, a bem amada!
E muitas vezes o eco ajuntava: Ariana... Ana ... E os trovões desdobravam no céu a palavra
Ariana.
E como a uma ordem estranha, as serpentes saíam das tocas e comiam os ratos
Os porcos endemoninhados se devoravam, os cisnes tombavam cantando nos lagos
E os corvos e abutres caíam feridos por legiões de águias precipitadas
E misteriosamente o joio se separava dó trigo nos campos desertos
E os milharais descendo os braços trituravam as formigas no Solo
E envenenadas pela terra descomposta as figueiras se tornavam profundamente secas.
Dentro em pouco todos corriam a mim, homens varões e mulheres desposadas
Umas me diziam: Meu senhor, meu filho morre! e outras eram cegas e paralíticas
E os homens me apontavam as plantações estorricadas e as vacas magras.
E eu dizia: Eu sou o enviado do Mal! e imediatamente as crianças morriam
E os cegos se tomavam paralíticos e os paralíticos cegos
E as plantações se tomavam pó que o vento carregava e que para afastar o calor sufocava as vacas magras.
Mas como quisessem me correr eu falava olhando a dor e a maceração dos corpos
-Não temas, povo escravo! A mim me morreu a alma mais do que o filho e me assaltou a indiferença mais do que a lepra
A mim se fez pó a carne mais do que o trigo e se sufocou a poesia mais do que a vaca magra
Mas é preciso! para que surja a Exaltada, a branca e sereníssima Ariana
A que é a lepra e a saúde, o pó e o trigo, a poesia e a vaca magra
Ariana a mulher - a mãe, a filha, a esposa, a noiva a bem-amada!
E à medida que o nome de Ariana ressoava como um grito de clarim nas faces paradas
As crianças se erguiam, os cegos olhavam, os paralíticos andavam medrosamente
E nos campos dourados ondulando ao vento, as vacas mugiam para o céu claro
E um só clamor saía de todos os peitos e vibrava em todos os lábios
- Ariana!
E uma só música se estendia sobre as terras e sobre os rios
- Ariana!
E um só entendimento iluminava o pensamento dos poetas
- Ariana!
Assim, coberto de bênçãos, cheguei a uma floresta e me sentei às suas bordas
- os regatos cantavam límpidos
Tive o desejo súbito da sombra, da humildade dos galhos e do repouso das folhas secas
E me aprofundei na espessura funda cheia de ruídos e onde o mistério passava sonhando
E foi corno se eu tivesse procurado e sido atendido vi orquídeas que eram camas doces para a fadiga
Vi rosas selvagens cheias de orvalho, de perfume eterno e boas para matar a sede
E vi palmas gigantescas que eram leques para afastar o calor da carne.
Descansei - por um momento senti vertiginosamente o húmus fecundo da terra
A pureza e a ternura da vida nos lírios altivos como falos
A liberdade das lianas prisioneiras, a serenidade das quedas se empenhando
E mais do que nunca o nome da Amada me veio e eu murmurei o apelo
- Eu te amo, Ariana!
E o sono da Amada me desceu aos olhos e eles cerraram a visão de Ariana
E, meu coração pôs-se a bater pausadamente doze vezes o sinal cabalístico de Ariana
Depois um gigantesco relógio se precisou na fixidez do sonho, tomou forma e se situou na minha frente, parado sobre a meia-noite
Vi que estava só e que era eu mesmo e reconheci velhos objetos amigos
Mas passando sobre o rosto a mão gelada senti que chorava as puríssimas lágrimas de Ariana
E que o meu espírito e o meu coração eram para sempre da branca e sereníssima Ariana